Aprendi que se há transformação, modificação, operação de pensamentos e entranhas em uma relação, esta se vivendo o AMOR!
Diz Rubem Alves, que a instituições religiosas trancafiam Deus em gaiolas quando o definem em seus conceitos teológicos. Eu penso que o mesmo fazemos com o Amor. Cresci em um mundo em que o amor foi conceituado e condenado a circunferências limitantes e sufocantes - gaiolas - e que se transformou em pássaro raro e de estimação que apenas os especiais e santos os têm.
Estuda-se o amor como objeto da ciência, discute-se e divaga-se sobre o amor nas mais diversas escolas da filosofia, as religiões proclama-o como meta da moral, enfim, analisa-se, apregoa-se e afirma-se que o amor verdadeiro é aquele que é trancafiado e aprisionado em teorias, conceitos e valores padronizados.
Amor é liberdade, dizem uns.
Amor é renuncia, dizem outros.
Amor é desinteresse, dizem os outros mais.
Pronto! Temos os doutores do Amor. São aqueles que além de teorizar o que é o Amor impõem suas verdades aos demais a sua volta dizendo " não, se não é assim, não é amor. É paixão, projeção, pertubação, obra do demônio... mas amor não é."
E qual o resultado disso? Pessoas sofrendo por não ter o pássaro de estimação de nome Amor. Sofremos por não vivermos um amor idealizado e apregoado pelos doutores do Amor, pois, como lembram tais intelectuais: amor é para o sábios, para o integrados, para os individuados, para o de personalidade ampla e desenvolvida, para os puros e livres de pecado. Ou seja, amor elitizado.
Imersos nesse sofrimentos, produtos como: análises, retiros espirituais, exercícios e oficinas que vendem serviços de transcendência ganham destaque nas meios mediáticos, pois vendem a ideia de que por meio da aquisição de seus produtos os marginalizados do amor - nós - vai poder finalmente ascender, evoluir, torna-se sagrado e conhecer o tão celeste amor. E então, a comercialização do amor alcança seu objetivo. Ora, comprar um produto e ter resultados extingue clientes, a não ser que o anuncio afirme que os resultados são a longo prazo, como fazem boa parte desses serviços.
Nota de esclarecimento: Que fique claro, que minha opinião não é generalista e muito menos condenatória. Inclusive, sou estudante de psicologia e certamente trabalharei como psicoterapeuta. A minha alusão aqui é sobre os pseudoprofissionais que se beneficiam da inconsciência coletiva e buscam tirar proveitos próprios deste estado de massificação.
Pois bem, iludidos e desolados afastamo-nos das vivências, das experiências, da carne, do sangue e da dor e passamos a viver anestesiados e hipnotizados seguindo vozes das ideologias e conceitos essencialistas. E, aí sim, pálidos, fracos e esmorecidos buscando o amor como meta, não temos energia para perceber que o Amor é a origem, o meio, o caminho e o caminhar.
Eu tive um sonho lindo que me teve, no qual uma voz afirmou: "Morrer de amor não doí"
Sim, amor mata! Amor sacrifica! Amor transforma e transmuta! Amor não é só o lado bonito, positivo e quase inalcançável da condição humana. O amor possui seu lado sombrio, mas não o aceitamos e nem os identificamos porque somos contagiados por por sua versão revisada e conceituada. O amor é uma vivencia arquetípica que guarda em seus mistérios a convivência dos opostos .
"Amor trata-se do que há de maior e de mais infinito, do mais longínquo e do mais próximo, do mais alto e do mais baixo e NUNCA qualquer um desses termos pode ser pronunciado sem seu oposto. Não há linguagem que esteja à altura deste paradoxo. O que quer que se diga, palavra alguma abarcará o todo." (JUNG,2015,p. 348)
Sendo assim, toda vivência que mexe com seu corpo, seus pensamentos, seus sonhos, suas atitudes é AMOR.
Rubem Alves, um dos meus casos de Amor, afirma algo lindo sobre o corpo, sobre a alma;
"Como se fosse um instrumento musical, o corpo somente reverbera com aquilo que lhe é harmônico. Como poderia amar o Adágio da Sonata 31 nº2 de Beethoven, que estou ouvindo, se ele já não existisse em mim, como desejo e nostalgia? Não, não é adágio da sonata. É o meu adágio, pedaço arrancado de mim que Beethoven transformou em música. O que o meu corpo recolhe é o mundo que já morava nele como uma ausência. O corpo é a presença da ausência." (ALVES, 1995, p.23)
Lindo não!? Tudo o que chama, provoca, excita, comove, reverbera, afeta é o Amor acontecendo. O outro, o externo me lembra - sem eu ter consciência dessa lembrança - do pedaço faltante, o conteúdo, a ausência, a amplitude e a profundidade, que por hora, se anuncia e pulsa fora de mim.
Quantos corações temos pulsando fora do peito?
É claro que corações que batem fora do peito nos condicionam e podem nos deixar aprisionados. Podemos tomar como exemplos pessoas que precisam de rins artificiais (hemodiálises) para se manterem vivas e saudáveis. Infelizmente, são pessoas que precisam se condicionar a algo externo por ter um comprometimento de um órgão interno.
É preciso incorporar um coração que bate fora do peito. E como se faz? Convivendo, vivendo junto, criação de relação até que o outro seja apenas sinal do amor que agora pulsa em si mesmo. Sabe aquela frase "eu amo amar você"? Ou seja, me amar quando amo você é o caminho do recolhimento.
O que é lindo disso, é que vivendo o amor em seu estado bruto e original passamos ser um corpo de muitos corações. E a experiência tem me mostrado que quanto mais corações me coabitam maior e mais forte me torno.
Tem ainda um outro trecho do Rubem que eu não podia deixar de introduzir nessa perspectiva:
"Somos o jardim que plantamos. Ou o jardim que amamos, sem que o tenhamos plantado, mas que o outro plantou. E quando isso acontece podemos ter certeza de que sonhamos sonhos parecidos. É possível que possamos nos tornar conspiradores... Eu e o outro jardineiro"
Isso é de uma profundidade...
Quantas vezes nos apaixonamos por obras literárias, cientificas, artísticas e vivemos um arrebatamento por elas? Amar o jardim do outro (produção, atitude e etc) é sinal de que há em nós formas e sonhos que se projetam buscando ali conteúdos que preenchem nossas margens vazias. E como diz Rubem, "podemos ter certeza que sonhamos sonhos parecidos." Ou seja, eu e o - autor, o artista, o teórico, a outra pessoa - somos conspiradores, amantes, parceiros ligados pelos mesmos sonhos, imagens e formas.
É um caso de amor!!
Portanto, se transforma, se cria consciência, se convida cada pedaçinho de mim, isso é a vivência do amor. Como dizer que o amor é isso ou aquilo, se ele é maior do que essas especulações e não tem um ponto de vista apenas? O amor é experiência e sendo vivência não cabe definições.
Ahhh, morrer de amor doí sim... Dói porque mata uma das mais parte mais vulnerareis e sensível de nós - o egoismo. Mata para fazer nascer, nascermos para o AMOR, pois, ELE é a origem e a meta.
E depois, pensando bem, morrer de amor não dói mesmo...
Referências (além das minhas próprias vivencias e experiências)
ALVES, Rubem. O quarto do mistério. 2.ed. Campinas: Papirus,1995.
JUNG, C.G. Memórias, sonhos e reflexões. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
Quando leio um texto, uma parte minha sempre procura afinidades e também, na maioria das vezes, muitas coisas vou refutando. Aqui, me identifiquei com muita coisa, ainda vou digerir e ver se sobra algo à refutar, até porque, minha visão de "amor" também tem passado por transição: nesse momento só sei que o amor é. O quê, já não sei. Amei, amiga! Li com o coração...
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