sábado, 23 de dezembro de 2017

"MORRER DE AMOR NÃO DÓI"

Amor primitivo, amor carnal, amor projetivo, amor fantasioso, amor louco, amor de amigo, amor de irmão, amor platônico, amor de cama ou de uma transa.... São amores! Quem dirá que não!? 
Aprendi que se há transformação, modificação, operação de pensamentos e entranhas em uma relação, esta se vivendo o AMOR!


Diz Rubem Alves, que a instituições religiosas trancafiam Deus em gaiolas quando o definem em seus conceitos teológicos. Eu penso que o mesmo fazemos com o Amor. Cresci em um mundo em que o amor foi conceituado e condenado a circunferências limitantes e sufocantes - gaiolas - e que se transformou em pássaro raro e de estimação que apenas os especiais e santos os têm. 




Estuda-se o amor como objeto da ciência, discute-se e divaga-se sobre o amor nas mais diversas escolas da filosofia, as religiões proclama-o como meta da moral, enfim, analisa-se, apregoa-se e afirma-se que o amor verdadeiro é aquele que é trancafiado e  aprisionado em teorias, conceitos e valores padronizados. 

Amor é liberdade, dizem uns.
Amor é renuncia, dizem outros.
Amor é desinteresse, dizem os outros mais.
Pronto! Temos os doutores do Amor. São aqueles que além de teorizar o que é o Amor impõem suas verdades aos demais a sua volta dizendo " não, se não é assim, não é amor. É paixão, projeção, pertubação, obra do demônio... mas amor não é." 
E qual o resultado disso? Pessoas sofrendo por não ter o pássaro de estimação de nome Amor. Sofremos por não vivermos um amor idealizado e apregoado pelos doutores do Amor, pois, como lembram tais intelectuais: amor é para o sábios, para o integrados, para os individuados, para o de personalidade ampla e desenvolvida, para os puros e livres de pecado. Ou seja, amor elitizado. 
Imersos nesse sofrimentos, produtos como: análises, retiros espirituais, exercícios e oficinas que vendem serviços de transcendência ganham destaque nas meios mediáticos, pois vendem a ideia de que por meio da aquisição de seus produtos os marginalizados do amor - nós - vai poder finalmente ascender, evoluir, torna-se sagrado e conhecer o tão celeste amor. E então, a comercialização do amor alcança seu objetivo. Ora, comprar um produto e ter resultados extingue clientes, a não ser que o anuncio afirme que os resultados são a longo prazo, como fazem boa parte desses serviços. 
Nota de esclarecimento: Que fique claro, que minha opinião não é generalista e muito menos condenatória. Inclusive, sou estudante de psicologia e certamente trabalharei como psicoterapeuta. A minha alusão aqui é sobre os pseudoprofissionais que se beneficiam da inconsciência coletiva e buscam tirar proveitos próprios deste estado de massificação.  

Pois bem, iludidos e desolados afastamo-nos das vivências, das experiências, da carne, do sangue e da dor e passamos a viver anestesiados e hipnotizados seguindo vozes das ideologias e conceitos essencialistas. E, aí sim, pálidos, fracos e esmorecidos buscando o amor como meta, não temos energia para perceber que o Amor é a origem, o meio, o caminho e o caminhar. 




Eu tive um sonho lindo que me teve, no qual uma voz afirmou: "Morrer de amor não doí" 

Sim, amor mata! Amor sacrifica! Amor transforma e transmuta! Amor não é só o lado bonito, positivo e quase inalcançável da condição humana. O amor possui seu lado sombrio, mas não o aceitamos e nem os identificamos porque somos contagiados por por sua versão revisada e conceituada. O amor é uma vivencia arquetípica que guarda em seus mistérios a convivência dos opostos . 

"Amor trata-se do que há de maior e de mais infinito, do mais longínquo e do mais próximo, do mais alto e do mais baixo e NUNCA qualquer um desses termos pode ser pronunciado sem seu oposto. Não há linguagem que esteja à altura deste paradoxo. O que quer que se diga, palavra alguma abarcará o todo." (JUNG,2015,p. 348) 

Sendo assim, toda vivência que mexe com seu corpo, seus pensamentos, seus sonhos, suas atitudes é AMOR. 

Rubem Alves, um dos meus casos de Amor, afirma algo lindo sobre o corpo, sobre a alma;
"Como se fosse um instrumento musical, o corpo somente reverbera com aquilo que lhe é harmônico. Como poderia amar o Adágio da Sonata 31 nº2 de Beethoven, que estou ouvindo, se ele já não existisse em mim, como desejo e nostalgia? Não, não é adágio da sonata. É o meu adágio, pedaço arrancado de mim que Beethoven transformou em música. O que o meu corpo recolhe é o mundo que já morava nele como uma ausência. O corpo é a presença da ausência." (ALVES, 1995, p.23) 

Lindo não!? Tudo o que chama, provoca, excita, comove, reverbera, afeta é o Amor acontecendo.  O outro, o externo me lembra - sem eu ter consciência dessa lembrança - do pedaço faltante, o conteúdo, a ausência, a amplitude e a profundidade, que por hora, se anuncia e pulsa fora de mim. 
Quantos corações temos pulsando fora do peito? 


É claro que corações que batem fora do peito nos condicionam e podem nos deixar aprisionados. Podemos tomar como exemplos pessoas que precisam de rins artificiais (hemodiálises) para se manterem vivas e saudáveis. Infelizmente, são pessoas que precisam se condicionar a algo externo por ter um comprometimento de um órgão interno. 
É preciso incorporar um coração que bate fora do peito. E como se faz? Convivendo, vivendo junto, criação de relação até que o outro seja apenas sinal do amor que agora pulsa em si mesmo. Sabe aquela frase "eu amo amar você"? Ou seja, me amar quando amo você é o caminho do recolhimento. 
O que é lindo disso, é que vivendo o amor em seu estado bruto e original passamos ser um corpo de muitos corações. E a experiência tem me mostrado que quanto mais corações me coabitam maior e mais forte me torno. 

Tem ainda um outro trecho do Rubem  que eu não podia deixar de introduzir nessa perspectiva:


"Somos o jardim que plantamos. Ou o jardim que amamos, sem que o tenhamos plantado, mas que o outro plantou. E quando isso acontece podemos ter certeza de que sonhamos sonhos parecidos. É possível  que possamos nos tornar conspiradores... Eu e o outro jardineiro" 

Isso é de uma profundidade...
Quantas vezes nos apaixonamos por obras literárias, cientificas, artísticas e vivemos um arrebatamento por elas? Amar o jardim do outro (produção, atitude e etc) é sinal de que há em nós formas e sonhos que se projetam buscando ali conteúdos que preenchem nossas margens vazias. E como diz Rubem, "podemos ter certeza que sonhamos sonhos parecidos." Ou seja, eu e o - autor, o artista, o teórico, a outra pessoa - somos conspiradores, amantes, parceiros ligados pelos mesmos sonhos, imagens e formas. 
É um caso de amor!!  


Portanto, se transforma, se cria consciência, se convida cada pedaçinho de mim, isso é a vivência do amor. Como dizer que o amor é isso ou aquilo, se ele é maior do que essas especulações e não tem um ponto de vista apenas? O amor é experiência e sendo vivência não cabe definições. 

Ahhh, morrer de amor doí sim... Dói porque mata uma das mais parte mais vulnerareis e sensível de nós - o egoismo. Mata para fazer nascer, nascermos para o AMOR, pois, ELE é a origem e a meta. 

E depois, pensando bem, morrer de amor não dói mesmo...





Referências (além das minhas próprias vivencias e experiências)

ALVES, Rubem. O quarto do mistério. 2.ed. Campinas: Papirus,1995. 

JUNG, C.G. Memórias, sonhos e reflexões. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 


Um comentário:

  1. Quando leio um texto, uma parte minha sempre procura afinidades e também, na maioria das vezes, muitas coisas vou refutando. Aqui, me identifiquei com muita coisa, ainda vou digerir e ver se sobra algo à refutar, até porque, minha visão de "amor" também tem passado por transição: nesse momento só sei que o amor é. O quê, já não sei. Amei, amiga! Li com o coração...

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