Meu blog completa quatro anos de existência. Me lembro bem a empolgação e a alegria em cria-lo, inclusive a primeira postagem falava disso - Minha mais nova receita de felicidade.
De lá para cá foram tantos acontecimentos, tantas mudanças, tantas transformações... Lágrimas, sorrisos, questionamentos, abraços e tropeços permearam minha caminhada.
Claro que aqui não está tudo registrado, até porque, o que vem para cá são ideias organizadas, refletidas (nem tanto) e lapidadas. Somente a vida, em sua majestade e complexidade, é que sabe de fato das aventuras que me embrenhei.
O gostoso de ter esse recursos - sejam virtuais ou os tradicionais diários - é que ao mesmo tempo em que se conta algo, esse algo conta de ti. Aos passar dos anos, esses trechos, textos, prosas revelam muito mais de que as palavras ali elucidadas. Esses fragmentos revelam um movimento vivo e autônomo. Talvez, possa nomear de "ciclos", "processos inconscientes", "jornadas"...Não sei que nome dar. Mas, o que há é uma história contada que não foi racionalizada e operada pelos processos cognitivos da minha consciência. E essa história provoca um espanto, porque sem a intenção de conta-la é ela que me conta.
É uma história que nem mesmo o maior dos autores literários, contistas ou poetas poderiam criar algo tão criativo e tão recheado de espantos e surpresas. Arriscaria dizer que esta "história mística" conta um destino, ou melhor dizendo, aponta um destino.
Por exemplo, eu sinto agora como que chegado num "ponto de encontro" que a mim estava reservado. Mais do que sentir, é ao ler-me que encontro a certeza e a convicção que é AQUI que estava sendo aguardada.
A alma conta histórias que só quem a escuta pode confiar no processo!
Quando me refiro a "ponto de encontro", é porque não consigo ouvir nessa "história mágica" uma conquista, uma vitória ou aquela voz de Gps: "você alcançou seu destino". O que eu leio, ouço e sinto é: "finalmente, você chegou! Temos um longo trabalho, vamos sem demora."
E não posso negar, que isso me traz um pouco de tristeza. Pois, ao ler-me, o que vejo é que por impedimentos no caminho, causados por inúmeras circunstâncias e pessoas, por intransigência minha, pelo medo institucional criado e instalado nas células de meu Ser (não só em mim, como nas células de todos os viventes desse mundo), eu atrasei a chegada a esse ponto. Passei alguns bons anos sofrendo e padecendo por ter seguido trilhas vendidas como "seguras" que me fizeram perder-me de mim.
Essas trilhas são o que chamamos de aprendizagem.
Nos ensinam como pensar, nos ensinam como portar-se, nos ensinam como ganhar dinheiro, sobreviver, vencer na selva de pedras...Inclusive, nos ensinam que não seguir tal aprendizagem trará desmérito, punição e sofrimento. Indo além, nos ensinam que quem se rebela aprender tem déficits, transtornos, defasagens e são as escórias da sociedade.
O ensinamento é tão intensivo e eficaz que ele se personaliza dentro da gente e ganha roupagem de voz celestial. Ao ponto, que toda voz ardente e pulsante que sussurra, fala e grita dentro da gente é tido como o oposto do anjo. Quem nos vê andando por aí com sorrisos nos lábios, não pode supor a guerra que se trava em nossos recônditos. Guerra, essa, que também nos ensinam ser o duelo do bem x mal.
Ou seja, somente aqueles que resistirem bravamente as tentações, as paixões, as vozes viscerais do corpo e da alma é que terão vencido na vida. O que se sucumbirem? Pobres... São os desajustados, os irrequietos, os pervertidos, os sem juízos, o que vivem de arte e poesia...
E então, pronto!! As neuroses foram implantadas! Depressões, transtornos de ansiedade, fobias... Como é que falam? Ah, sim.. são doenças do século.
É interessante pensar que mesmo a psicologia moderna já se debruçando sobre isso desde o século XX, o que ainda continua a se dizer fortemente a cerca de tais mazelas são sobre as causas biológicas e neuroquímicas das doenças mentais. Isto é, a disfuncionalidade do sujeito.
O triste disso tudo é que de forma muito tímida e quase sempre escondida em paredes de settings terapêuticos/analíticos é que se faz o desmonte - "a aprendizagem massificadora te conduziu a esse sofrimento. Sua doença foi criada!"
De forma alguma quero transformar o processo de aprendizagem e o meio social, com seus sistemas complexos, em algozes. Até porque, acredito que não somos apenas resultado do meio. Estudo e continuarei a estudar a importância do processo de socialização e de endoculturação e sua real função na vida dos sujeitos. Afinal, isso "também"nos faz e nós somos construtores direto disso, mesmo que não tenhamos consciência.
Contudo, que fique claro, minha critica acompanhada de tristeza, é contra essa aprendizagem perversa e opressora que demoniza a natureza, as fantasias, as intuições, os questionamentos, o Ser. A minha critica é para a imposição do saber, é para os homicídios da alma.
"É o fascínio que acorda a inteligência. O conhecimento surge sempre do desafio do desconhecido. Essa frase deveria estar escrita em algum livro de psicologia de aprendizagem. Pena que eles digam muito sobre a ciência de construir navios e nada sobre o fascínio de navegar..." Rubem Alves.
Eu sou uma sobrevivente consciente da violência psicológica de um processo de aprendizagem opressor e cruel. (QUE NÃO FIQUE DÚVIDAS, NÃO ESTOU A FALAR SOMENTE DE PROCESSO ESCOLAR) Eu fiquei bons anos da minha vida buscando (igreja, psiquiatras, neuros, psicólogos, analistas) uma normalidade que não possuía. Busquei incansavelmente curar o incurável. O meu mau era sentir - fundo e intenso - ver, ouvir, indignar-se, questionar, inconforma-se, querer mudanças. Mas, em quase toda a trajetória de busca por auxilio isso sempre era usado contra mim, pois dizia da minha inabilidade em se adaptar. E quanto mais eu tentava a tal adaptação mais eu adoecia.
Tive ainda um outro problema, quando o meu sofrimento não foi visto como inabilidade foi visto como santo e sagrado para alcançar a tão idealizada "individuação". Nas duas situações eu fui violentada, sem que o que eu de fato sentia e externava fosse verdadeiramente ouvido e compreendido.
Nas duas situações, me amordaçaram e me deram como instrução sublimar toda essa potência, essa força, esse inferno. Me disseram que se eu abraçasse minha cruz e a beija-se então ela seria minha redenção. Não tendo outra escolha, ou melhor, entregando-me cegamente aos "entendidos", orgulhei-me do sofrimento por não ter tido a coragem de humilhar-me em lágrimas.
E foi então que o blog surgiu - surgiu como sublimação de uma energia que tentava se trancafiar em palavras. Sei da sua funcionalidade e do quanto me foi importante, não posso e nem quero negar. Mas, boa parte dos meus textos falaram e dissiparam sofrimento e dor, e pior, falaram da exaltação aos mesmos.
Mas 2017 ao chegar trouxe TANTO mistério, força e energia, que o pouco de habilidade que eu tinha para adaptar-me esvaiu-se por completo. E foi quando me perdi "aos olhos dos doutores da aprendizagem" é que me encontrei. Quando assumi verdadeiramente minha condição, minhas ânsias, meus desejos, meus sonhos, minha vozes, minha força, minha maldade, meus rompantes, minha raiva, minha "anormalidade" - eu encontrei paz, confiança e integridade.
Falando assim até parece que foi como num passe de mágica, mas foram dias, semanas, meses e períodos intensos de CURAR O MEDO da minha condição.
"A condição não se cura mas o medo da condição é curável" Clarice Lispector.
Em uma das minhas postagens do ano passado - Jung e Eu, encontros e confirmações, já um tanto imbuída desse movimento de me permitir "seguir-me", de me curar do medo de mim mesma, eu escrevi:
Seria um desrespeito levar 70 anos para simplesmente testemunhar que Jung estava certo. Que aos meus 70 anos eu possa ter coisas inéditas para contar o que aprendi com a vida, a exemplo daquele que por hora me inspira.
E é com uma grande satisfação, que na primeira postagem de 2018, eu afirmo:
SER já não é dor, é prazer! Eu não precisei esperar que a velhice me desse a coragem para dizer o que eu sempre virá e não dissera, por medo.
Eu não mais vou sublimar minha latência, agora é ela quem me conduz na criação de mim e do mundo.
Foi ao ler-me, ao considerar-me, ao debruçar-me sobre minhas vivências, experiências e atitudes, assim como sobre o mundo e suas histórias, seu passado e seus contextos é que pude ouvir o inaudível - minha alma. Como já disse, a alma conta histórias que só quem a ouve pode confiar no processo.
O que concluo disso tudo, é que estamos sendo negligentes e insensatos em perpetuar aprendizagens que violentam, machucam e produzem doenças.
Estamos sendo omissos e ingênuos em acreditar que o sofrimento nos torna mais fortes e que tê-lo nos dignifica.
Estamos sendo ignorantes e cruéis com a beleza da vida em acreditar que a grande jornada humana é resistir, represar e sublimar forças tão puras e intensas.
Estamos atrasando a tão almejada evolução ao seguir acreditando que só na período crepuscular de nossas vidas poderemos alcançar a sabedoria.
"O essencial é saber ver -
Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!)
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender...
Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu..."
Fernando Pessoa
Por que ao invés de exaurir nossas forças em uma aprendizagem do desaprender não investigamos profundamente em uma educação para alma?
Agora entendo a história e porque EU estava sendo aguardada...
Borá assumir aquilo que sei!