Já
cantava o poeta:
“É primavera...E o céu está tão lindo (vai chuva)...”
O céu
azul em contraste com os ypes amarelos, juntamente dos cantos dos passarinhos
anunciam: Um novo tempo se aproxima.
Tempo
de cor, de som, de aromas, de novas texturas, novos tons... De vida nova.
A
Natureza de forma despretensiosa nos convida a germinar, a brotar e a florir. É
quase impossível não ser tocado pelo canto festivo das andorinhas, não ficar
espantado com o desfile das cores das flores e o bailar das borboletas.
Não
me lembro de me sentir tão tocada e sensibilizada com essa estação, como neste
ano. De verdade, sinto que o movimento de germinar e brotar está forte e intimamente ligado com os meus
movimentos. Sinto-me conectada com a natureza e sendo fiel ao seu ciclo.
Contudo,
ao passo que me sinto nascendo e me experimentando diferente, me assusto e me
choco com as mazelas de ordem social, política e cultural o qual estamos vivenciando
atualmente. A Natureza dá o tom. O meu
mundo interno vibra. Mas parecem-me que em volta não há terra, apenas amontoados de tijolos e pedras secos e frios.
Há
uma parábola, narrada por um dos maiores contadores de história dos últimos tempos, que diz: certa
vez “um semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao
pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na; e outra parte caiu em pedregais,
onde não havia terra funda. Mas vindo o sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha
raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e um, a cem, outro,
a sessenta, e outro, a trinta.” E o contador terminava dizendo: “Que tem
ouvidos para ouvir , que ouça.”
As
imagens dessa história me invadiram quando eu estava divagando em pensamentos
de preocupação e de perplexidade com o mundo. Quando eu me questionava se todo
esse espetáculo que a natureza está oferecendo (o advir da primavera) está
sendo vista, contemplada, refletida, ou ao menos observada, por esse mundo
composto de pessoas ocupadas em ideologias, discursos de ódio, preconceitos e
desejo de poder.
E
então, dei-me conta que em outras primaveras eu também não estava assim tão
ligada, integrada e maravilhada. Dei-me conta que num tempo não muito distante,
precisamente há algumas semanas atrás, eu era o “pé do caminho”, o pedregal e os
espinhos, onde toda e qualquer semente lançada não criava raiz, porque eu não
tinha terra funda. Porque eu não me
permitia ser verdadeiramente profunda.
Dei-me
conta que muitos semeadores passaram por mim e que não foi culpa deles eu não
ter germinado.
Dei-me
conta que horas somos terra noutra somos o semeador.
Como
poderei julgar o mundo e as pessoas que não estão a florescer em idéias novas, palavras
de amor e atitudes de responsabilidade, se eu por muito tempo também fui
terreno infrutífero? Se por muito tempo precisei secar e morrer.
Hoje,
se estou brotando e florescendo é porque independente do solo que fui, algum
semeador, ou alguns semeadores, não desistiram de lançar suas sementes.
Independente
se eu tinha olhos de ver e ouvidos de ouvir a natureza não deixou de realizar
seus espetáculos... Nem os pássaros deixaram de cantar, nem as flores de
desabrochar, nem a semente de germinar.
No
mais profundo dos silêncios, no mistério do invisível, tudo estava a se
realizar mesmo quando eu não tinha atitude de me voltar para esses belos fenômenos.
Reflito
ainda que se permitir germinar e florescer carece de uma atitude de humildade,
de se tornar terra fofinha e acolhedora. Ou seja, além de sermos solo e semeador,
também somos nossos próprios jardineiros.
E mais, só seremos primavera na vida dos nossos se vivermos nossas
primaveras internas.
Só
teremos o que semear se tivermos sido semeados...
Só
teremos disposição para continuar a distribuir sementes de amor se não desistirmos
de nossas terras secas, frias e espinhentas.
Só
saberemos cultivar o mundo quando fizermos esse cultivo com nós mesmos.
A
partir disso, compreendi porque as imagens da parábola do semeador tomaram meu
coração. Elas me anunciavam que não devo desprezar meu momento em decorrência do
atual cenário que me circunda. Que não devo decepcionar-me com os que não vêem ou
não ouvem. Que não devo desanimar e interromper a semeadura.
Pois,
“é preciso amor para poder pulsar, é preciso paz pra poder sorrir, é preciso a
chuva para florir”
Sendo
assim, que a primavera nos inspire a ser terra, semente, jardineiro e
semeador...
Que
a primavera nos ensine a desabrochar amor..
A
mim,
A
Você
Ao
mundo!