quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Contos de fadas, princesas, jornada da heroína, Elena e eu.

Recentemente assisti um filme bem inocente que fez um mega barulho em meus pensamentos. O filme, uma animação da Disney, que se chama "Elena e o Reino de Avalor", é um conto de fadas. 




Eu sempre tive ressalvas, e até mesmo fui indiferente, com os contos de fadas. Para mim eram "estórias" muito distantes da realidade e que sempre traziam as mesmas concepções; o bem vence o mal, o príncipe salva a princesa e todos foram felizes para sempre...
Nunca me identifiquei com nenhuma das princesas. Talvez, isso tivesse haver com os contos que me foram apresentados, não sei. Mas, aos que eu conhecia nunca fiz nenhum tipo de identificação. Por exemplo, nunca me enxerguei em Cinderela, Branca de Neve, Rapunzel e etc.  Ao contrário, eu queria ser o herói da história, aquele que lutava, que enfrentava os dragões e que era reconhecido por todos. Ou seja, eu queria o papel do homem. 

Contudo, minha relação com as histórias sempre foi muito forte. Minha vó Tereza - minha grande contadora de histórias - por ser uma mulher muito católica, me enchia de parábolas e de histórias diversas que permeavam sua cultura de mulher simples e da roça. Ahh! Como eu adorava seus causos... 




Pois bem, entre a menina que gostava de histórias, mas que não via graça em contos de fadas, e essa de hoje que vos escreve, há um vale cheio de circunstâncias, acontecimentos, encontros e experiências... E o resultado é que a menina/mulher de hoje é contadora de história e estudante (iniciada) em contos de fadas, além de outras facetas, é claro! 

Descobri que os contos de fadas são muito - mas muito mesmo - mais profundo que aquela ideia que eu tinha. Descobri que eles trazem inúmeros aspectos da realidade humana que estão além do bem vencer o mal e do casamento da princesa com o príncipe. Hoje, por exemplo, eu sei o que realmente quer dizer  "foram felizes para sempre".
Mas, ainda sim ficava um tanto desconcertada com a ideia da mulher ser representada nos contos, quase sempre, como a que precisa ser salva ou a bruxa má. Só que é interessante que esse desconcerto não se dava por questionamentos meus e sim apenas por uma indiferença a essas histórias. Se me perguntassem: "por que você não gosta das histórias de princesas?" Eu diria: "não sei, apenas não gosto!"

Como eu disse acima, existe uma trajetória minha percorrida em um vale na floresta que me conduziu à ambientes e à companhia de pessoas que tinham muito a me explicar sobre coisas que eu ignorava por simplesmente não entender. E, uma dessas coisas, era sobre as princesas e seus mundos mágicos.




Eu era indiferente as histórias de princesas porque não me identificava com elas, porque não me falavam ao coração, porque eu queria um outro papel para a mulher nos contos de fadas. Porque a jornada do herói tinha como objeto, quase sempre, apenas os homens. 

É importante que se esclareça que todas as histórias precisam ser contextualizadas em tempo, época, cultura, crenças... 
O que apresento não é que os contos de fadas estão ultrapassados, ao contrário, eles são atemporais. O que apresento é que como a vida, os contos são vivos e dinâmicos e, por mais que perpetuem a história da humanidade, eles estão em transformação e em construção. Ou seja, eu era indiferente àquelas histórias porque elas estavam sendo apenas repetidas e não reformuladas, recontadas, transformadas. 
O que eu não sabia, e que foi a minha grande descoberta, era que eu podia ser personagem principal do meu próprio conto de fadas e que o meu fazer história pode estar a compor novos contos literários. Isso é de uma beleza e de uma alegria inenarrável, pois, isso significa que certamente estaremos eternizados em contos que nossos descendentes irão ouvir. Isso quer dizer que meninas, como eu já fui um dia, poderão ouvir histórias onde a jornada da heroína tenha sua marca e suas características próprias. Isso quer dizer que os contos de fadas são contos de vidas. 

Despertei para o fato de que não precisamos e não devemos ficar repetindo padrões, temos como dever criar novos. Lembrando que esses padrões, por sua vez,  por algum tempo farão sentido e felizmente serão quebrados. 
Criando, vivendo e transformando. Criando, vivendo e transformando. Criando, vivendo e transformando...

Me atentei que o nosso grande erro é apenas ir vivendo... É preciso mais, é preciso transformar, é preciso Criar. 

Claro, que hoje estudando psicologicamente os contos sei que a mulher adormecida a espera do homem, não se refere ao seu aspecto literal e sim simbólico. E isso é tão precioso! Pois, os contos de fadas há muitos e muitos anos vem nos alertando que o lado feminino está sendo preso em masmorras, envenenado, renegado... Ou seja, nosso antepassados há tempos vem nos sinalizando que é preciso despertar, é preciso lutar, não permitir essa subjugações. É preciso parar de ferir nosso lado feminino!  
E para isso é preciso parceria, relações, encontros. 




Mas o que tudo isso tem haver com Elena e o reino de Avalor? 




A menina, aqui, que não se identificava com as princesas da Disney foi assistir bem despretensiosa a uma animação e se depara com um conto de fadas que apresenta a princesa tomando posse de seu reino. Um filminho inocente, à primeira vista, mas que apresenta a jornada de uma jovem mulher, que aguardou 41 anos para ser libertar e tomar a governança de seu mundo. E detalhe, quem a liberta é uma menina curiosa, corajosa e imaginativa. Não é um príncipe. 
Elena e o reino de Avalor traz a primeira princesa latina da Disney, traz a força e a vigor das mulheres guerreiras desse continente. Elena não precisa partir em missão - ao contrário do tradicional herói - Elena precisa é restabelecer algo que lhe pertence. Elena assumi aquilo que é seu por direito. 

Não quero dar spoiler aos que se interessarem a assistir, contudo, não posso encerrar sem antes contar outra grande diferença dessa história para as jornadas tradicionais do herói.
Elena não enfrenta seu problema sozinha, ela o faz mediado por vários personagens e em conjunto com o povo de seu reino. "Ela é a escolhida, mas não é a única" como diz o guia espiritual do conto. 
Um conto que fala de coletividade, de empoderamento, de um bem comum, do despertar da força feminina.

Ver a arte representando as mudanças que várias gerações de mulheres vem travando durante o percurso de nossa história humana, é a graça de poder confirmar que SOMOS NÓS que fazemos nossos contos de fadas. 




Não foi apenas um "assistir" inocente de um filme, foi uma tomada de consciência que me mostra que eu e Elena temos muito em comum.