É interessante que eu já tinha entrado em contato com esse fragmento da vida de Jung quando li Memórias, Sonhos e Reflexões (MSR), que por sinal, é meu livro de cabeceira também.
Impactada pela emoção que me correu o corpo e os pesamentos diante do que Dunne apresentava fui correndo ao MSR encontrar o trecho e beber na fonte... E estava lá, sublinhado, circulado, marcado... Porém, só agora fazia todo o sentido do mundo.
Do que se trata esse trecho? Vamos lá.. Vou discorrer resumidamente...
Com 69 anos (1944) o velhinho danado teve um enfarto cardíaco que o deixou vários semanas internado e em experiência de quase morte. Ele relata com preciosidade as visões que teve nesse período. Mas, como não era sua hora recuperou as forças e viveu ainda por mais 17 anos. Segundo o Jung, foi depois dessa experiência que tempos de grande produtividade se iniciaram. Ele relata que muitas de suas principais obras surgiram depois desse episódio de sua vida.
E foi diante disso que algo me iscou com tamanha força que me impedia de virar as páginas e seguir a leitura. Eu fiquei parada diante dos dois livros matutando: Com quase 70 anos de vida e o cara diz que foi aí o período de maior produtividade. Com quase 70 anos de experiências, ele (re)encontra vigor e disposição para concluir algo, que segundo ele, somente após essa vivencia de transcendência o fortaleceu de coragem e aceitação incondicional para assumir seu Ser e sua existência. Ou seja, quando ele já poderia ficar tranquilo e sossegado com toda a reputação que já tinha construído em todos esses anos de vida, ele se aceita e aceita o seu destino de continuar o que tiver de ser sem se preocupar com julgamentos e valorações.
É ou não é o Cara??
Ele descreve que foi nesse momento que ele se colocou a produzir e a escrever o que sempre o perturbou sem melindres e resistências, entendendo que " a existência das ideias é mais importante do que seu julgamento subjetivo". Contudo, como homem sensato e que sempre buscou a integração e a totalidade da psique, adverte que os julgamentos não devem ser reprimidos ou rechaçados, mas sim que devem perder seu caráter constrangedor e castrador das ideias originais.
Por que eu fiquei tão fortemente mexida com essa passagem?
Porque o que Jung descobriu com 70 anos eu vivo na minha terceira década.
Eu tenho vivido exatamente esse imperativo...
- Se deixe guiar por sua intuição
- Se transforme para deixar agir o livre fluxo das ideias e do destino
- Aceite e acolha incondicionalmente seu Ser e sua existência
- Coloque a margem o peso do julgamentos, especialmente os meus próprios.
- Aceite seu destino.
Pode parecer prepotência ou soberba... Como assim o "cara" leva 70 anos para vivenciar tal profundidade e a mocinha chega aí e diz que está a experimentar tal vivência?
Como bem descrito acima, coloco o julgamento a margem e me concentro no insight puro e cru.
Ter me deparado com essa passagem, daquele a quem autorizo me ensinar, fez despertar em mim a responsabilidade do conhecimento que se delineia e amplia minha consciência.
Me senti "obrigada" e designada colher, acolher e abraçar tal momento que vivencio com honra e destreza. Isto é, se haviam dúvidas, medos, receios e insegurança, é hora de se prontificar e ACEITAR. É ser digna e leal com aquele que aceitou seu destino em deixar um legado aos seus descendentes.
Não se trata de seguir a cartilha do mestre e sim de aprender com os acertos, permitindo assim acelerar o processo que já está em curso. Pois,daqui em diante que eu possa cometer erros novos e com isso trajetórias novas.
Seria um desrespeito levar 70 anos para simplesmente testemunhar que Jung estava certo. Que aos meus 70 anos eu possa ter coisas inéditas para contar o que aprendi com a vida, a exemplo daquele que por hora me inspira.
E desta forma eu encerro com suas palavras:
Mas quando seguimos o caminho da individuação, quando vivemos nossa vida, é preciso aceitar o erro, sem o qual a vida não será completa: nada nos garante - em nenhum instante - que não possamos cair em erro ou em um perigo mortal. Pensamos talvez que haja um caminho seguro; ora, esse seria o caminho dos mortos. Então nada mais acontece e em caso algum ocorre o que é exato. Quem segue o caminho seguro está como que morto.
Fontes: DUNNE, Claire. Carl Jung - Curador ferido de Almas. São Paulo: Alaúde Editora, 2012.
JUNG, C.G. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.